segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

à sombra de laranjeiras espectrais, tardes de rememorar


por baixo ou por cima dos arabescos dos jiraus a vida pulsava.  

da terra, rica em toda a sua extensão, brotavam abundantemente taiobas, pés-de-milho e robustas couves.
os limões reverdeciam no seu segredo
e as mangas como corações pendentes expunham as bagas de sua alma, 
suas vísceras líricas.

as rosas como constelações, os pés de funcho e a monumental moita de hortelã.
tudo o que apodrecera desde as chuvas de setembro
agora era uma nova e outra coisa em um canto do jardim. 
  
fazia muito calor nesta hora de meio de tarde.
sob o sol escaldante dois meninos de bicicleta atravessam uma rua.
a cidade na confluência de dois morros é agora um cisco no olho de quem vê.

 josé está sentado debaixo da ameixeira grande.
o vento faz baterem os bambus da densa moita que o homem plantou quando mudou para cá há mais de trinta anos.
sentado em seu banquinho de madeira, quase de cócoras, josé corta os bambus a partir dos nós. racha-os setentrionalmente 
e vai batendo os nós com um martelo, transformando a matéria rígida em longos e flexíveis fios de bambu rachado.
do seu lado esquerdo estão tombados dois outros balaios já prontos.

pára um pouco.

fuma.

a fumaça do cigarro de palha esvoaça por entre os vãos das árvores vazadas pela luz do sol.
constelações inteiras se desfazem na claridade.
a obscuridade do tabaco queimado revela as mariposas do dia, moscas ardentes, mamangavas negras.
bandos de maritacas atravessam estrondosos sobre as árvores.       
josé estende no chão os filetes de bambu cortado formando um desenho rústico, forte, seco.
desenho de intensa beleza.
desenho que desfaz muito antes de esboçar algo. um estado de suspensão.
nuvem névoa. 
entrecruza os desenhos, as riscas dos balaios ainda a serem.
cria uma trama.   
o atrito das forças vai ficando mais denso e visível.
um homem entrançando a matéria vegetal, tirando o projeto do plano e trazendo o balaio ao mundo, à forma, à tatibilidade. 
balaio que vai agora acolher o milho, ser quentura onde chocarem as galinhas, tornar-se abrigo, casa e calor.

estrondam como obscuras estrelas cadentes as mangas despencadas. 
rolam para perto dos balaios prontos.

passos leves se aproximam.
pés de criança, ruídos finos, como os pequenos bichos em sua ronda.
as folhas secas da ameixeira estalam ao serem pisadas. 

- Pai?

(estende-se-lhe um cálice)
. . .
tempo de antes e tempo de após.
. .
e o dia transfigurou-se em todos os arredores.
.
tarde
noite 
manhã



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