sábado, 16 de março de 2013

 
13 de fevereiro de um ano indefinido

meu amor,
escrevo-te agora
sentado de algum lugar.
minha cadeira em algum lugar
sobre as areias maceradas do tempo.

tórrido o teu desaparecimento,
abissal a tua memória.

agora te escrevo,
de onde nem praga nem sol podem me alcançar.
sob a luz do plasma meu rosto transmuta-se.
vermelhos, roxos e azuis de múltiplas gradações
imprimem em minha face a polifonia de setenta canais a não dizerem nada,
aumentando
ainda mais esta solidão de livros e ausência.
tua imagem.
holograma e simulacro.
caixa vazia.
imagem impressa nas córneas dos automóveis, mil olhos nos cascos dos transatlânticos,
luzes acesas e mórbidas na melancolia da noite ártica,
gritos de metais rompendo,
 
agarrado  a uma bóia que roubei de um filme de naufrágos
grito em preto  e branco com toda a pantomima de um cinema mudo de bairro operário
perdido no tempo roubado por mim.
recomponho os teus gestos no fundo de um mar cheio de destroços.
com a boca petrificada
filmada em high definition.

deixo-te meu amor
uma carta amarelecida, um barco de papel e uma caixa de discos.
apanho-te nos nenúfares, nas flores suntuosas, nos galhos e folhas oferecidas aos deuses oceânicos.
és recolhido do mar por caminhantes solitários
na orla da praia onde não te afogaste.

uma moviola, uma fita cassete, um filme super 8, uma coleção de cromos.

tua imagem física a transfigurar-se
em sais, em grãos, em pixels.
teus dentes misturam-se nos corais, formam recifes, ilhas rochosas na pele do mar.
peixes elétricos brincam nas cavidades do que outrora foram teus olhos.

teu ventre é o ventre do mar.
tuas vísceras são as vísceras do mar.

teu colete de andarilho etrusco,
chama acesa nos dedos de rústicas e delicadas mãos.
sentado sobre marítimos espólios trancafiados no baú de madeira,
com os livros atrás a arder por toda a eternidade.
alfarrábios de históricas atlânticas:

papéis esparramados  sobre a mesa,
um balaio, uma luminária antiga, 
periódicos do tempo futuro
e uma camisa branca,
de matinal alvura.






para Al Berto

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