- tudo tem sua colheita não tem?
na verdade ele colhe o ano
inteiro, mas a melhor safra vem numa leva de quarenta dias e quarenta noites. numa foiçada cheia.
nesse tempo reina toda a
qualidade de ruindade, sortilégio e maledicência no meio das gentes.
é o Opaco.
criaturas notívagas e outras
assombrações rondam a casa. nos arredores do mato vagam os estropelos.
são as sombras a nos perseguirem. e só a chama de uma vela ou fósforo ou outro fogo riscado pelo homem pode
afugentar os maus espíritos.
e era todo o tempo vidro quebrado
e risada seca.
na tradição pagã medieval
acendiam-se fogueiras nos campos e altos de montes para rechaçar as bruxas e
demônios.
em outras regiões queimavam-se
espantalhos. bonecos toscos arremedando os vivos, os mortos e os obscuros.
no imaginário de minha mãe, onde
fui criado, tudo isto fundia-se com os mitos matutos do sertão mineiro.
e isto abarcava muitas histórias.
como a do sapo morto esticado o
caldeirão de feijão do homem que não guardou o jejum da carne ou a do estropelo
assombrando na cancela ou a das linhas do cueiro nos dentes do marido lobisomem
ou a do toco de bananeira no caixão no lugar do morto que o diabo levou ou a
história sobre a mula dourada do Capiroto no dia da ceifa.
outros folclores.
e ela me contava estas histórias.
romper de aleluias era o nome da
festa que marcava o fim das trevas.
no alvorecer do dia santo a luz
choca-se com as trevas.
como uma cisão na atmosfera o
fenômeno do rompimento das aleluias é breve e semelhante a aurora boreal.
à estranha rachadura no céu como
um relâmpago coagulado somam-se sons de folhas partidas, papéis sendo rasgados
e flashes de luz estroboscópica. dissonâncias e náuseas. estilhaços orgânicos,
caroços debaixo da pele, cacos de vidro impregnados de tormentos.
e quando alguém é atravessado por
uma explosão de aleluias, este alguém começa a variar.
e era todo o tempo
vidro quebrado
e risada seca.
e era todo o tempo
vidro quebrado
e risada seca.
Nenhum comentário:
Postar um comentário