segunda-feira, 31 de março de 2014

romper de aleluias



- tudo tem sua colheita não tem?

então. diz que o Coisa Ruim também tem a época dele não tem?

na verdade ele colhe o ano inteiro, mas a melhor safra vem numa leva de quarenta dias e quarenta noites. numa foiçada cheia.
nesse tempo reina toda a qualidade de ruindade, sortilégio e maledicência no meio das gentes.
é o Opaco.
criaturas notívagas e outras assombrações rondam a casa. nos arredores do mato vagam os estropelos.
são as sombras a nos perseguirem. e só a chama de uma vela ou fósforo ou outro fogo riscado pelo homem pode afugentar os maus espíritos.

e era todo o tempo vidro quebrado e risada seca.

na tradição pagã medieval acendiam-se fogueiras nos campos e altos de montes para rechaçar as bruxas e demônios.
em outras regiões queimavam-se espantalhos. bonecos toscos arremedando os vivos, os mortos e os obscuros.

no imaginário de minha mãe, onde fui criado, tudo isto fundia-se com os mitos matutos do sertão mineiro.
e isto abarcava muitas histórias.
como a do sapo morto esticado o caldeirão de feijão do homem que não guardou o jejum da carne ou a do estropelo assombrando na cancela ou a das linhas do cueiro nos dentes do marido lobisomem ou a do toco de bananeira no caixão no lugar do morto que o diabo levou ou a história sobre a mula dourada do Capiroto no dia da ceifa.

outros folclores.

e ela me contava estas histórias.

romper de aleluias era o nome da festa que marcava o fim das trevas.
no alvorecer do dia santo a luz choca-se com as trevas.
como uma cisão na atmosfera o fenômeno do rompimento das aleluias é breve e semelhante a aurora boreal.
à estranha rachadura no céu como um relâmpago coagulado somam-se sons de folhas partidas, papéis sendo rasgados e flashes de luz estroboscópica. dissonâncias e náuseas. estilhaços orgânicos, caroços debaixo da pele, cacos de vidro impregnados de tormentos.
e quando alguém é atravessado por uma explosão de aleluias, este alguém começa a variar.

e era todo o tempo
vidro quebrado
e risada seca.



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